Acidentes nos estádios da Copa: crônicas de nove mortes anunciadas?
Por alguma razão que jamais será conhecida, Marcleudo tomou a decisão de não conectar o cinto. O jovem morreu no dia 14 de dezembro de 2013.
Como ele, outros oito operários que trabalhavam na construção de estádios da Copa perderam suas vidas. Longe dos holofotes e da atenção da mídia, quase 1.400 trabalhadores morreram em atividades ligadas à construção no Brasil entre 2010 e 2012– segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) 2012 do Ministério da Previdência Social.
E o número de acidentes (incluindo doenças e acidentes de trajeto) na construção passou de 29.054, em 2006, para 62.874 em 2012 – ou seja, mais do que dobrou. (A maioria dos acidentes, no entanto, não é comunicada às autoridades.)
As mortes nos estádios da Copa ainda estão sendo investigadas e levará tempo para sabermos ao certo quem são os responsáveis. No entanto, um pesquisador e fiscal de segurança no trabalho ouvido pela BBC Brasil disse que a maioria dos óbitos poderia ter sido evitada – possivelmente, todos – se normas básicas de segurança (as Normas Regulamentadoras previstas na legislação trabalhista, CLT) tivessem sido obedecidas.
Alerta
Vitor Araújo Filgueiras, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade de Campinas, Unicamp, baseia suas conclusões preliminares em relatórios sobre os acidentes feitos pela fiscalização do trabalho, autos de infração lavrados, ações civis públicas do Ministério Público do Trabalho, fotos e reportagens publicadas pela imprensa.
A menos de dois anos da Olimpíada no Brasil, com obras atrasadas e grande pressão para que sejam finalizadas a tempo, os comentários do pesquisador são um sinal de alerta:
“Não há novidades nessas medidas (as normas de segurança), todo mundo sabe o que deve ser feito. E o que mais me incomoda é que as mortes vão continuar acontecendo”, disse.
Veja, a seguir, como aconteceram cada um dos acidentes. E entenda como uma cultura mais consolidada de respeito à segurança poderia, provavelmente, tê-los evitado.
O auxiliar de carpintaria José Afonso de Oliveira Rodrigues, de 21 anos, caiu do anel superior do estádio Mané Garrincha, em Brasília. Ele sofreu uma queda de 30 metros (o equivalente a um prédio de dez andares).
Segundo relatório da fiscalização do Ministério do Trabalho (MT), José Afonso caminhava em um local que havia servido de passagem a trabalhadores da obra. Já devia ter andado por ali várias vezes, porém, muito provavelmente, ninguém o avisara de que parte da estrutura que sustentava a plataforma de madeira onde caminhava havia sido removida.
Sem sustentação, a plataforma não suportou o peso de José Afonso e cedeu, levando à morte do operário.
Segundo a fiscalização do MT, a remoção parcial das estruturas de sustentação da plataforma, deixando apenas as madeiras sem suporte, foi um erro de procedimento que induziu a uma falsa sensação de segurança no trabalhador.
Normas básicas de segurança – entre elas, sinalização e isolamento da área, de altíssimo risco, supervisionamento e controle das atividades e movimentação de trabalhadores no anel superior, orientação aos envolvidos e proibição de trânsito na área – poderiam ter salvo a vida de José Afonso.
Após o acidente, a fiscalização interditou parcialmente a obra até que fossem revistos certos procedimentos.
Fonte: BBC