Templo evangélico reforça caldeirão religioso na zona leste
Uma freira e uma muçulmana coberta dos pés à cabeça por um véu se cruzam em uma faixa de pedestres na avenida Celso Garcia, no Brás, na zona leste de São Paulo. Diante delas está o Templo de Salomão, obra de 100 mil metros quadrados levantada pela neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus – construção quatro vezes maior que o Santuário de Aparecida do Norte.
O templo, uma réplica do que foi destruído em Jerusalém há mais de 2 mil anos, foi inaugurado nesta quinta-feira. Teve a presença da presidente Dilma Rousseff e em meio a polêmicas pelo fato de o prédio não ter uma licença definitiva da prefeitura. A enorme construção coroa a forte mistura religiosa nas regiões do Brás e do Pari.
Em um raio de cerca de 4 km, a reportagem encontrou mais de 20 igrejas católicas e ortodoxas, templos evangélicos de diferentes denominações, centros religiosos afro-brasileiros, mesquitas e seguidores do espiritismo.
Parte dessa mistura se explica pela forte tradição operária e imigrante da região, que em séculos passados atraiu italianos, portugueses, libaneses e hoje recebe fluxos de bolivianos, peruanos e africanos de diversas nacionalidades.
“Historicamente, há uma relação entre diversidade religiosa e imigração”, explica Jacqueline Moraes Teixeira, doutoranda em antropologia social na USP e estudiosa da Igreja Universal e seu impacto nessa região paulistana.
No início do século 20, vieram as igrejas católicas, catedrais ortodoxas e mesquitas. No final do século, com a expansão das igrejas evangélicas, sobretudo as pentecostais, os templos começaram a pipocar por ali.
“Houve uma expansão de denominações religiosas na região, sobretudo na avenida Celso Garcia. Da década de 90 para cá, muitas transformaram seus espaços em centros de referência ou templos-sede.”
É o caso da Assembleia de Deus, cujo templo na avenida é o maior desta igreja no Brasil, e do próprio Templo de Salomão, obra suntuosa feita com pedras trazidas de Israel e com um impacto significativo na região do Brás.
Filas
Nos arredores, lojas começam a vender roupas evangélicas, bíblias temáticas do templo e suvenires. Na lateral, um restaurante por quilo foi rebatizado de Skina do Templo. No caixa, são vendidas réplicas da construção.
“A gente está no melhor ponto. Nosso público aumentou 70%. Aos domingos, quando haverá duas missas, teremos um público estimado de 20 mil pessoas”, diz Dirceu Souza, sócio do local.
Comerciantes e residentes mais antigos, porém, reclamam da alta do preço dos aluguéis e do trânsito intenso provocado pelas milhares de pessoas vindas em caravana e que fazem fila para conhecer o espaço evangélico.
Maria de Jesus, funcionária de uma loja de tecidos (outro ramo tradicional na região), diz que o aluguel do espaço quase dobrou, sem que as vendas tenham subido junto.
Alguns quarteirões adiante, na catedral ortodoxa São Pedro, construída pela comunidade grega na década de 50, a funcionária Neide Makris, 64 anos, conta que a relação com o Templo de Salomão não tem grandes sobressaltos. Mas o bairro mudou.
“Para a nossa igreja, não mudou nada. Deus é um só, tanto para nós quanto para eles. Mas os arredores estão bem movimentados, trânsito o dia todo, fila nos restaurantes”, disse.
Ponto de encontro
Opinião semelhante tem Leandro Tonelli, secretário paroquial da centenária igreja católica, localizada bem diante do Templo de Salomão. “Para nós, é indiferente. As pessoas buscam vida (em um templo religioso), não buscam paredes”, diz ele, explicando que a igreja virou um ponto de referência da comunidade católica hispânica da região. Ali, são celebradas duas missas em espanhol por semana.
“O Brás é um bairro de transição e de passagem, não de moradia”, opina Tonelli, sobre a vocação religiosa do bairro. “Os templos viraram um espaço de encontro.”
Na mesquita do Pari, ali perto, esse ponto de encontro é entre muçulmanos mais tradicionais, como libaneses e sírios, e outros vindos de Paquistão, Marrocos ou Bangladesh, conta o xeique Rodrigo Oliveira Rodrigues.
O contato com as demais religiões do bairro ocorre apenas informalmente, diz ele. “Formalmente, não tivemos a oportunidade de visitar ou sermos visitados, mas nossos corações estão abertos, antes de nossas portas”, afirma.
Para Teixeira, da USP, o Brás virou “point” religioso também por ser um bairro de ligação entre o centro da cidade e a povoada zona leste. “Estar no bairro é garantir visibilidade e estar acessível à população”, diz ela.
Edin Sued Abumanssur, professor de teologia da PUC-SP, explica que ali se formou um agrupamento de atividade mercantil, assim como outras áreas da cidade se especializaram na venda de móveis, roupas de noivas ou eletrônicos, por exemplo.
“No espaço de um quilômetro, a Celso Garcia concentra um sem número de ofertas de serviços religiosos. Ali está se formando um ‘cluster’ (concentração) desse tipo de serviço. O que explica isso, não sei dizer. O maior problema para as igrejas evangélicas, atualmente, é encontrar um diferencial de mercado. Cada uma delas tende a produzir um serviço exclusivo para se destacar em meio à pasteurização das ofertas. Talvez o que o Templo de Salomão signifique seja apenas isso.”
Diante do templo, o aposentado Sebastião Bispo, 80 anos, se diverte dançando uma música funk tocada em alto volume em seu radinho de pilha. Espírita cardecista, ele diz que achou bonita a nova construção. “Deu emprego para o pessoal, eles estão no direito deles. Mas não se esqueça que fachada de igreja não salva ninguém”, opinou.
Fonte : BBC