Analistas se dividem por calote argentino
A situação ocorreria por problemas internos da Argentina que poderiam ser intensificados, como o aprofundamento do quadro recessivo, queda das importações e a limitação de dólares e crédito para financiamento de compras do exterior.
O governo argentino anunciou na quarta-feira que não havia fechado acordo com os chamados ‘fundos abutres’, que recusaram a renegociação da dívida do país e cobram pagamentos no valor de US$ 1,3 bilhão. É o segundo calote argentino em 13 anos.
Com a queda da atividade brasileira e restrições impostas pela Argentina a importações, o ano já era complicado na relação bilateral, segundo o economista argentino Marcelo Elizondo, da consultoria econômica DNI.
O Brasil é o principal sócio comercial da Argentina e o país vizinho é o terceiro parceiro comercial brasileiro.
De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina caíram 20% frente ao mesmo período de 2013, segundo dados da consultoria Abeceb, de Buenos Aires.
As vendas da Argentina para o Brasil também caíram. O comércio bilateral registrou cerca de US$ 14 bilhões no primeiro semestre.
O recuo estaria relacionado à desaceleração da economia brasileira e ao quadro recessivo na Argentina, disse a consultoria.
Em termos anuais, dependendo do ritmo daqui para frente, o montante de negócios poderá ficar abaixo dos US$ 36 bilhões registrados no ano passado, um dos melhores no histórico bilateral.
Efeitos do calote
Nesse contexto, não há consenso, entre os analistas ouvidos pela BBC Brasil, sobre o quanto o calote argentino poderia intensificar esses fatores negativos.
“(A queda no comércio) vai continuar. Mas não deve haver reduções abruptas”, acredita Wilber Colmerauer, diretor da corretora Brazil Funding, em Londres. “A Argentina já vem perdendo importância como parceiro comercial do Brasil.”
Os mercados financeiros já vinham assimiliando o problema há bastante tempo, apesar de ainda haver aposta em um acordo. Assim, o calote pode não ser grande novidade e a probabilidade de que o Brasil e outros países latino-americanos sejam afetados ficaria reduzida.
“A Argentina está totalmente fora do mercado financeiro internacional. Por isso o impacto do calote será pequeno”, disse.
“Não é bom ter um vizinho indo cada vez mais para o buraco, mas o Brasil tem seus problemas e a Argentina não é um dos maiores problemas do Brasil.”
Outros analistas veem maior risco de efeitos da crise argentina na economia brasileira.
“Nossa situação bilateral está deteriorada por responsabilidade da Argentina. Alguns setores já estão atrasando o pagamento de importações do Brasil há cerca de seis meses”, disse o economista Raul Ochoa, professor de comércio exterior da Universidades de Quilmes e da Universidade de Buenos Aires.
“E o crédito para o comércio exterior poderá ser ainda mais afetado se o default não for revertido logo”.
Nos últimos anos, a Argentina já perdeu espaço no comércio com o Brasil e o mundo, de acordo com Ochoa.
“Há apenas quatro anos, nós éramos o quarto maior exportador de carne do mundo. Hoje, estamos no 12º lugar no ranking mundial. Deixamos de ser os principais exportadores de trigo e de frutas para o Brasil. Passamos a ser importadores de energia. O default não convém a ninguém, principalmente à Argentina”, disse.
Para o economista Juan Carlos Rodado, do banco francês Natixis, o Brasil é o país que mais pode ser afetado em termos comerciais pela moratória, já que 8% das exportações brasileiras, principalmente do setor automotivo, são destinadas à Argentina.
Por sua vez, Virginie Coudert, economista do Centro de Pesquisas sobre a Economia Mundial (CEPII, na sigla em francês) acredita que não há risco de contágio do default da dívida argentina no Brasil e outros emergentes. Mas isso pode criar uma pressão sobre a moeda brasileira.
“Os mercados de câmbio são mais sensíveis do que os mercados da dívida”, afirmou. “Mas isso não significa que o real irá despencar”, ressaltou.
Confiança x esperança
Os analistas concordam, porém, que o default deve abalar a confiança na economia argentina.
O economista Orlando Ferreres, da consultoria econômica OJF e Associados, de Buenos Aires, disse que essa falta de confiança aprofundaria a recessão registrada nos últimos meses.
“Temos hoje uma limitação de dólares em caixa que pode ser agravada o que afetaria ainda mais as importações.”
Segundo a Abeceb, um cenário de calote levaria a economia argentina a fechar o ano com uma queda de 3,5% na sua atividade e queda de 3,8% no consumo.
Em entrevista à imprensa local, o ex-secretário de Finanças da Argentina, Guillermo Nielsen, disse que “o default provocará queda ainda maior do PIB, haverá menos dinheiro na praça e menos crédito para o comércio exterior. Não é algo que vamos sentir amanhã ou depois, mas vamos sentir nos próximos meses”.
O economista Marcelo Elizondo disse que ainda tem expectativa de um acordo, nas próximas horas, de uma reversão do default argentino, através da ação de bancos argentinos que comprariam a dívida que está com os ‘fundos abutres’.
Neste caso, os efeitos poderiam ser menos amargos. “O default será rápido”, destacou o site do jornal Ambito Financeiro ao informar sobre o possível entendimento entre bancos e fundos.
Na quarta, o índice Merval da Bolsa de Buenos Aires registrou forte alta e o dólar paralelo caiu porque o mercado financeiro apostava em um acordo entre o governo e os fundos. A expectativa agora é para o comportamento desta quinta, sem o entendimento esperado.
Fonte : BBC