Paquistanesa sobrevive a emboscada do pai para viver romance
Quando digo a Saba que conheci o homem que quase a matou, ela se inclina para a frente, ansiosa para ouvir o que ele disse.
Faz um mês que ela foi atacada na província de Punjab, no Paquistão. Ele disse não ter tido intenção em matá-la, conto a ela, apenas ensinar-lhe uma lição para que nenhuma menina da família se atrevesse a considerar fugir novamente.
Saba, de 18 anos, se inclina para trás e diz com desdém: “Ele está mentindo”. Seus olhos transmitem fúria – um deles ainda exibe marcas de sangue dos ferimentos que sofreu.
O homem que supostamente foi conivente com quatro outros para acabar com sua vida é seu próprio pai – Maqsood Ahmed.
Quando eu o conheci atrás das grades na prisão central de Gujranwala, onde eu não pude levar qualquer equipamento de gravação, ele estava arrependido.
Perguntei-lhe se havia mais vergonha em ser preso por tentar assassinar a própria filha ou no ato dela de fugir.
Ele nega a tentativa de assassiná-la, dizendo que só queria ensinar-lhe uma lição: “A vida é (feita) de honra. Eu não cometi um crime. Eu não roubei ninguém. Se eu quisesse matá-la, eu teria feito isso em casa”.
Despejada no canal’
A mão esquerda de Saba, atravessada por uma bala, ainda está enfaixada. Seu rosto tem a marca de uma longa cicatriz na bochecha, onde outra bala atingiu de raspão.
Ela diz que no dia seguinte ao seu casamento com seu noivo Qaiser, seu pai e seu tio a tiraram da casa de seus sogros, atiraram nela e a jogaram em um canal dentro de um saco.
Ela conta ter se casado com seu vizinho, com quem manteve um relacionamento por vários anos, secretamente na casa dele porque sua família pressionava-a para que se casasse com outro homem.
No dia seguinte à cerimônia, sua família foi buscá-la e levou-a de volta para a casa de seu pai.
“Era uma noite escura e sem lua. Estávamos em uma van Toyota com um monte de gente, meu pai, tio, a esposa dele e três amigos de meu tio. Eles disseram que queriam arrumar trigo. Mas, então, chegamos à selva, onde existem vários canais. Suspeitei de algo”.
Saba diz ter sido forçada a sair do carro. Ela, então, pediu para que eles não a machucassem.
“O que é que eu tenho feito de tão ruim? Porque você não pode me perdoar?”, ela diz ter perguntado.
Mas eles a arrastaram para fora.
Ela apanhou e, então, foi baleada duas vezes, diz. Na segunda vez, desmaiou. Ao se recuperar, viu-se dentro de um saco em um canal.
“As ondas no canal me levaram para perto da borda. Segurei em algum mato e sai. Continuei andando até chegar a um posto de gasolina e, lá, um homem chamou os serviços de emergência”.
Falhas na lei
No hospital, Saba denunciou seu pai à polícia.
Ele diz ter descoberto que Saba estava no hospital pela manhã, mas insiste ter deixado a filha no canal como um aviso.
“Eu bati nela com um objeto de metal e deixei-a lá para puni-la”, ele admite.
Mas o relatório médico diz claramente que as lesões de Saba são resultado de ferimentos à bala, e não de outro objeto.
Agora, Maqsood e o tio de Saba estão em julgamento por tentativa de homicídio e sequestro – com base no depoimento dela.
A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão diz que foram registrados 869 assassinatos por honra no ano passado.
Segundo a ONU, um em cada cinco casos em todo o mundo acontece no Paquistão. Mas os números de condenações são mais difíceis de serem encontrados.
“Crimes de honra são arquivados nos tribunais de primeira instância e tribunais anti-terroristas, como assassinatos ou tentativas de assassinato”, diz Hina Jillani, que advoga casos de direitos humanos e tentou vários desses processos.
Mas a lei no Paquistão permite que autores sejam libertados se a vítima ou os herdeiros da vítima concordarem em uma reconciliação.
“Infelizmente, a lei no país é muito falha e pesa a favor da impunidade para crimes de honra. Na maioria dos casos, termina em um acordo”, diz Hina.
“Primeiro, a família irá conspirar para matar a mulher e, em seguida, conspira para perdoar a pessoa que puxou o gatilho”.
Concessões?
Saba também está sendo pressionada por seus sogros e os integrantes mais velhos da comunidade onde vive para que resolva a questão fora dos tribunais.
Ela dá de ombros: “Eu não quero perdoá-los. Eu não quero ver meu pai ou tio de novo”. A mãe dela e oito irmãos vivem perto, mas ela também não quer vê-los.
Sua sogra está sentada à nossa frente. Ela diz que Saba não tem outra escolha senão resolver a questão porque a vida em uma comunidade significa concessões.
“Se hoje nós nos recusamos a reconciliar, o que vai acontecer amanhã, quando meus outros filhos estiverem com problemas?”
Mas ela também entende a fúria de Maqsood Ahmed, o pai.
“Quando alguém mancha a honra de sua família, dói”.
Fonte: BBC/Brasil