Caso Bernardo: como identificar o pedido de ajuda de uma criança
A morte do menino Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, em Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul, chocou o Estado e o país. A Polícia Civil acredita que o menino tenha sido morto depois de receber uma injeção letal. Os principais suspeitos do crime são o pai do garoto, Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Boldrini, e a amiga do casal Edelvania Wirganovicz. Eles estão presos.
Bernardo chegou a procurar o Fórum de Três Passos para reclamar de insultos recebidos da madrasta e da falta de interesse do pai. Na ocasião, não houve relato de violência física. A primeira notícia sobre o abandono afetivo do qual Bernardo seria vítima chegou à Promotoria da Infância e da Juventude em novembro passado, quando foi aberto expediente para apurar a situação familiar. O menino era alvo de comentários na cidade e frequentemente se hospedava na casa de amigos da escola.
Depois de conversar com Bernardo e confirmar as queixas sobre o pai e a implicância da madrasta, a promotora responsável pela apuração, Dinamárcia de Oliveira, preparou a ação judicial pedindo que a guarda do menino fosse dada para a avó materna. O juiz Fernando Vieira dos Santos optou por uma conciliação entre o pai e o garoto. Em uma audiência em 11 de fevereiro, Boldrini pediu uma chance para melhorar a relação com o filho. Em 13 de maio, pai e filho seriam novamente ouvidos.
Pedido de ajuda — “O caso de Bernardo foi excepcional. É raro uma criança procurar a Justiça para pedir a ajuda, mesmo em episódios graves de abuso”, diz a psiquiatra Maria Conceição do Rosário, professora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência (Upia) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Afinal, um dos principais sinais comportamentais de que a criança está sofrendo alguma privação emocional ou abuso sexual é a retração. “A criança se cala, não quer brincar e fica no canto dela.” Outras evidências são episódios de agressividade (como bater em colegas), choro fácil e queda no desempenho escolar.
Os sintomas físicos também são claros: distúrbios do sono, como pesadelo e insônia, acompanhados de mudanças dos hábitos alimentares — a criança perde o apetite ou passa a comer mais do que o usual. Por fim, são indícios de que algo vai mal: fazer xixi na cama e reportar queixas físicas sem motivo aparente, a exemplo de febre, tremores, constipação e dor muscular. “Acordar com indisposição um dia ou outro é normal. Mas, se a mudança de comportamento se estende por mais de uma semana, é preciso ter uma conversa com a criança ou, se for o caso, procurar ajuda médica”, diz Maria Conceição.
A partir dos seis anos, a criança tem discernimento para se comparar com as demais e entender se ela está sendo bem tratada ou não. Mas, como normalmente ela não se queixa, é preciso ficar atento aos sinais. “Se um professor ou pediatra notar uma mudança de comportamento em uma criança, é dever dele falar com os pais ou até mesmo procurar o Conselho Tutelar”, diz Maria Conceição.
Carência perigosa — Quando uma criança se sente afetivamente abandona pelos pais, ela costuma se apegar a qualquer pessoa que lhe dê atenção — e isso pode ser perigoso. “Ela fica vulnerável à ação de pedófilos em redes sociais, por exemplo”, afirma a psicóloga Rita Calegari, da Rede de Hospitais São Camilo, em São Paulo. De acordo com ela, as redes sociais são, hoje, a principal ferramenta de crianças e adolescentes para expor os seus sentimentos. Músicas, imagens e frases tristes podem ser um reflexo do que ela está vivendo. “Por isso, os pais e parentes precisam monitorar as atividades da criança ou do adolescente na internet.”
Uma pessoa que sofreu abuso quando pequena pode carregar o trauma pelo resto da vida. “A maioria dos transtornos psiquiátricos tem como pano de fundo uma carência emocional na infância”, afirma Ivete Gattas, psiquiatra da infância e adolescência e coordenadora da Upia. Quando adultas, essas crianças terão mais tendência à depressão e à ansiedade. “Claro que nem todos adultos depressivos ou ansiosos sofreram privação emocional na infância, mas essa relação é muito alta.”
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