“O riso é tão importante para nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade”
Assim que o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) admitiu o erro de sua pesquisa que dizia que os brasileiros apoiavam ataques a mulheres, a reação foi instantânea: um enxurrada de piadas.
Bastaram poucos segundos para que, no último dia 4, as redes sociais fossem invadidas por anedotas zombando da porcentagem que mostrava que 26% e não 65% concordam com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Para o neurocientista cognitivo americano Scott Weems, só mesmo sonoras gargalhadas seriam capazes de resolver o conflito entre o equívoco grosseiro, as reações exaltadas, o machismo e a realidade do episódio.
O humor é única forma que nosso cérebro encontra para lidar com diversas informações contraditórias ao mesmo tempo, segundo ele.
“As pessoas contam piadas há milhares de anos para lidar com desafios e conflitos”, diz o pesquisador da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, que estuda o funcionamento do cérebro há doze anos. “O humor revela muito sobre nossa humanidade, sobre como pensamos, sentimos e nos relacionamos com o próximo.”
Em seu primeiro livro, Ha! – The Science of when we laugh and why (Há! – A ciência de quando rimos e por que, sem tradução em português), lançado em março nos Estados Unidos, Weems sustenta que o riso é o resultado da longa batalha cerebral entre emoções e pensamentos opostos. Ao chegar ao ápice da confusão, sem nenhuma alternativa de solucioná-la, rimos. E, assim, não só reconciliamos as ideias contrárias como enxergamos respostas.
Analisando a piada — Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas. No livro, reúne suas conclusões a outros estudos e traça um mapa que busca compreender o papel das risadas em nossa vida. Começa mostrando como a dopamina, o neurotransmissor ligado ao prazer e o responsável pela alegria, nos fez o que somos: seres em busca de emoção e de novas maneiras de melhorar a vida. Rindo, se possível.
Ao longo do livro, o pesquisador demonstra como o humor dá novas perspectivas às experiências vividas e revela aspectos sutis da realidade que, de outra forma, permaneceriam escondidos. “Suspeito que o humor nunca tenha sido respeitado. E isso é uma vergonha”, afirma o cientista. Nesta entrevista ao site de VEJA, Weems explica por que não levamos o humor a sério e conta como piadas e anedotas são a chave para atingir pensamentos sofisticados e nos tornar mais saudáveis e criativos.
Por que costumamos explodir em risadas frente a situações constrangedoras? Nossa mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. O cérebro é lugar cheio de conexões e ideias competindo por atenção. Isso nos leva a raciocinar, mas também traz conflito, pois às vezes temos duas ou mais ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto. Quando isso acontece, nosso cérebro só tem uma coisa a fazer: rir.
E isso resolve alguma coisa? Gostamos de trabalhar em meio a essa confusão e rimos quando chegamos a uma solução. O humor traz respostas súbitas, que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada é como se tivéssemos um pequeno insight, pois pensamos algo inédito. E isso só dá certo porque o processo nos alegra — uma mente entediada é uma mente sem humor.
Isso quer dizer que pessoas que gostam de respostas prontas são as mais mal-humoradas? Sim. Há uma forte relação entre ser curioso, gostar de se aventurar intelectualmente e ser bem-humorado. Se alguém quer explicar um ponto, conta uma história. Mas, se o objetivo é explicar mais de um ponto ao mesmo tempo, o ideal é contar uma anedota. Ter humor é olhar as coisas de uma maneira mais profunda. Pessoas com senso de humor fazem associações inesperadas muito rapidamente.
Mas rir frente a situações difíceis ou problemas não significa fugir deles? O humor nos leva a lugares emocionais e cognitivos novos. Mas isso não quer dizer que ele afaste as dificuldades ou sentimentos como raiva, revolta ou tristeza — ao contrário, ativa-os, junto a emoções positivas. Um estudo feito na Universidade da Califórnia mostrou que experimentamos várias emoções ao mesmo tempo. Rir ou contar piadas nos ajuda a expressar todos esses sentimentos misturados e a lidar com eles.
Ou seja, anedotas sobre tragédias como o 11 de setembro nos ajudam a superá-las? Logo após o ataque ao World Trade Center apareceram muitas piadas sobre a catástrofe. Lembro-me de uma delas com um gorila segurando aviões perto das torres gêmeas com a mensagem: onde estava o King Kong quando precisamos dele? Essas piadas mostravam raiva, claro, mas também frustração e até irreverência. Elas não tiravam sarro dos terroristas, mas, sim do processo de luto — lembro que o país suspendeu todos os programas de humor por dezoito dias até que, enfim, o programa Saturday Night Live foi ao ar. Rir nos conecta a outras pessoas para dividir nossas lutas, temores e confusões.
Então piadas como as de humor negro fazem bem para a saúde? Esse tipo de humor nos torna mais saudáveis porque nos ajuda a lidar com deficiências, situações violentas ou macabras. Alivia e é divertido ao mesmo tempo em que é horrível.
O humor é capaz de expressar nossas crenças mais assustadoras de uma maneira muito direta — e não estamos acostumados a isso.
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