Por que as estruturas temporárias se tornaram o ‘pepino’ da Copa
As instalações provisórias exigidas pela Fifa custam cerca de R$30 milhões e nem clubes, nem governos querem pagar por elas.
As chamadas estruturas temporárias são exigências para as arenas e o entorno delas e envolvem desde geradores de energia elétrica e estrutura de telecomunicações até os centros de mídia e de voluntários, passando por áreas dedicadas à interação entre patrocinadores oficiais do evento e o público.
As instalações, que serão usadas somente no Mundial, viraram um “pepino” de última hora para as cidades-sede, adicionando uma conta que pode variar de R$30 milhões a R$60 milhões no orçamento de quem se predispôs a receber jogos da Copa – tanto as cidades quanto os clubes donos de estádios.
O problema ganhou dimensões ainda maiores em São Paulo, a sede da abertura, e é a grande preocupação da Fifa agora. “Temos que arrumar uma solução para as estruturas temporárias. Não podemos ter jogo de abertura em outro lugar. Tem que ser São Paulo”, disse o secretário geral da Fifa, Jérôme Valcke nesta quinta-feira.
Mas por que esse “problema inesperado” de última hora? A explicação principal está no contrato firmado entre a Fifa e os donos dos estádios da Copa, ainda em 2009.
“A autoridade do estádio se compromete a alugar, construir (se necessário) e providenciar para a Fifa e o COL (…) o espaço requisitado para o uso exclusivo no período da Copa e a removê-los (se necessário) depois do uso pela Fifa e pelo COL, sob o custo da autoridade do estádio”, é o que diz o documento (“Stadium Agreement”) assinado pelas 12 “autoridades de estádio” da Copa.
É justamente no contrato firmado cinco anos atrás que o “pepino” começa. Com o poder de barganha de quem é dona do maior evento esportivo do mundo, a Fifa consegue aprovar contratos que, do ponto de vista jurídico, podem ser considerados “excepcionais”.
As próprias estruturas temporárias, por exemplo, foram incluídas no acordo firmado em 2009, mas não foram plenamente especificadas, item a item. Sem saber qual seria o gasto exato com que estavam se comprometendo, os clubes e as cidades-sede aceitaram as exigências e agora se viram “amarrados” com os custos extras de instalações que serviriam apenas para a Copa e não ficariam como legado após o torneio.
Em 9 das 12 capitais brasileiras que sediarão a Copa, não houve muito o que discutir, já que os estádios são públicos e, portanto, tanto a cidade-sede quanto o “dono” da arena têm a mesma fonte de recursos.
Mas em Curitiba (Arena da Baixada), Porto Alegre (Beira-Rio) e São Paulo (Itaquerão), os proprietários dos estádios são os clubes – Atlético-PR, Internacional e Corinthians, respectivamente – e nenhum deles quis arcar sozinho com as despesas.
Contrato Excepcional
A consequência de não cumprir com a obrigação do contrato às vésperas do torneio poderia ser até mesmo a não realização da Copa naquela cidade ou estádio. Por isso, cidades-sede e clubes se viram pressionados para chegar a um acordo.
“A Fifa pode dizer: ‘Eu sou o dono da bola, então não vai ter jogo no Beira-Rio’. O poder de barganha dela é muito maior, porque Porto Alegre perde muito mais se ficar sem a Copa (do que a Fifa se ficar sem Porto Alegre)”, afirmou à BBC o advogado André Zonaro Giacchetta, sócio do escritório Pinheiro Neto e especialista em propriedade intelectual, entretenimento e lazer.
Além das estruturas temporárias, a Fifa poderia fazer também outras exigências aos donos de estádios ou cidades-sede a qualquer momento desde a assinatura do contrato.
É o que garante uma das cláusulas do documento, que diz que a entidade pode modificar “quaisquer diretrizes e outras orientações ora contidas e de acrescentar exigências da Fifa a qualquer tempo a seu exclusivo critério”.
Outra cláusula determina a renúncia por parte das cidades-sede de qualquer pedido de indenização em caso de cancelamento do evento por parte da Fifa.
“Tudo o que você pensar em relação a esse evento é excepcional. A Fifa é dona de um evento que os países se oferecem e se digladiam para sediar”, disse Giacchetta.
“Ela tem um contrato padrão, essas coisas foram negociadas em outros países mais desenvolvidos também. E é simples: ou as cláusulas são aceitas ou ela não realiza o evento”.
Impasses
Os grandes impasses com relação às estruturas temporárias aconteceram em Porto Alegre e São Paulo – já que, em Curitiba, o Atlético-PR fez um acordo prévio com a prefeitura para que ela bancasse as obras.
Na capital gaúcha, o problema começou quando o Internacional, clube que administra o Beira-Rio, entregou a arena pronta e se posicionou dizendo que não teria recursos para pagar as obras complementares pedidas pela Fifa.
Pelo contrato, o próprio Inter seria o responsável pelos gastos, mas o clube argumentou. “Os contratos foram acertados para o proprietário do estádio como ente público. Nós, do Inter, consideramos que demos uma contribuição já para o ente público com o contrato privado para a reforma do estádio”, explicou a vice-presidente do Internacional, Diana Oliveira, à BBC Brasil.
Com o impasse, a solução veio com o investimento do governo estadual. Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou um projeto de lei que isenta do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) as empresas que decidirem bancar as tais estruturas a serem construídas nas dependências do Beira-Rio.
Assim, uma empresa que tenha interesse em “ajudar” o Inter a bancar as estruturas poderá investir o dinheiro equivalente ao que pagaria de ICMS e estará isenta do imposto com o governo. O valor total que o clube colorado precisa arrecadar com esse incentivo é de R$ 25 milhões. Questionada se haveria empresas interessadas no investimento, a vice-presidente do Inter garantiu que sim.
“Muitas empresas têm mostrado interesse. A natureza da rivalidade entre Inter e Grêmio aqui no Sul faz com que tenham grandes empresas ligadas ao Inter querendo colaborar.”
Para completar os R$30 milhões necessários, a prefeitura de Porto Alegre irá colaborar comprando equipamentos, como geradores e ar condicionados, que podem ser reutilizados depois da Copa.
Sem solução
Já na Arena Corinthians, palco da abertura do Mundial, o impasse continua, com a diferença de que a cidade de São Paulo já se isentou de qualquer investimento extra para financiar as obras temporárias.
A prefeitura da capital até se propôs a oferecer parte das estruturas cedendo espaços públicos em Itaquera para abrigar algumas delas, mas não se compromete com qualquer outro gasto.
“Nós temos alguns contratos muito claros e definidores de quem responde pelo quê. Cada um vai cumprir seu contrato”, disse a vice-prefeita Nádia Campeão.
Em nota à BBC, o governo estadual também afirmou que não arcará com os custos das estruturas.
“O Governo do Estado de São Paulo não investirá recursos públicos em estruturas próprias do estádio que abrirá a Copa do Mundo, sejam elas estruturas provisórias ou definitivas. O compromisso assumido pelo Governo do Estado foi o de investir na infraestrutura da região, fora do estádio, em ações que constituam um legado para São Paulo.”
A discussão agora está entre o Corinthians, dono do estádio, e a Fifa. O secretário geral da entidade, Jérôme Valcke está no Rio de Janeiro nesta semana e se mostrou otimista por uma solução. “Estou bem confiante, temos uma companhia muito forte trabalhando lá, a Odebrecht, e temos muita confiança que a empresa vai achar uma solução. É empreiteira capaz de salvar o estádio”, disse.
BBC Brasil